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Quarto de Despejo

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Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada
Quarto de Despejo
Capa do livro Quarto de Despejo, publicado pela Editora Ática.
Autor(es) Carolina Maria de Jesus
Idioma português
Assunto Diário, autobiografia, condições sociais, favela, São Paulo.
Gênero Literatura
Linha temporal 19551960
Editora Francisco Alves (1ª edição)
Formato Brochura
Lançamento agosto de 1960
Páginas 173
Cronologia
Casa de Alvenaria - Volume 1: Osasco

Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada é um livro autobiográfico de Carolina Maria de Jesus publicado em 1960,[1] onde a autora relata sua vivência como mãe, moradora da favela e catadora de papel.[2]

Carolina Maria de Jesus nasceu em Sacramento no estado de Minas Gerais em 14 de março de 1914, mudando-se para a cidade de São Paulo em 1947.[1] Desde criança já se interessava pela leitura, tendo mais tarde iniciado a escrita de um diário.[1] A autora teve apenas dois anos de estudo, realizados na primeira escola espírita do Brasil, o Colégio Allan Kardec, fundado por Eurípedes Barsanulfo em sua cidade natal.[3]

Em 1958 o jornalista Audálio Dantas visitou a favela do Canindé para uma reportagem do jornal Folha da Noite,[4][5] local onde vivia Carolina de Jesus, relatando ter se encantado com a autora, que, "apesar de ser uma mulher extremamente pobre e simples, demonstrava uma grande lucidez crítica".[1] Após esse encontro, é publicado o livro em agosto de 1960 pela editora da Livraria Francisco Alves.[6][7]

O livro reproduz o diário de Carolina Maria de Jesus, em que ela narra o seu dia a dia numa comunidade pobre da cidade de São Paulo, a antiga Favela do Canindé, desocupada para construção da Marginal Tietê,[8] em 1961, por influência da repercussão de Quarto de Despejo.[9] Seu texto é considerado um dos marcos da escrita feminina no Brasil.[10]

No diário, que descreve suas vivências no período de 1955 a 1960,[3] a autora relata o sofrimento e as angústias dos habitantes da favela, sobretudo a rotina da fome, repetida diariamente. Carolina se sustentava recolhendo papel nas ruas. Quando não conseguia papel, ela e seus filhos não comiam.[9]

Para retratar sua realidade, Carolina Maria de Jesus utiliza de uma linguagem objetiva e marcada pela oralidade, ao mesmo tempo culta e inculta, oscilando entre um registro popular e o discurso literário.[11]

Com uma tiragem inicial de dez mil exemplares que se esgotou em apenas uma semana, já foi traduzido para mais de treze idiomas desde o seu lançamento.[4] A publicação é uma edição feita pelo repórter Audálio Dantas e pela equipe de editoração da Livraria Francisco Alves, que recebeu 20 cadernos escritos por Carolina.[4] Dantas fez a seleção dos trechos do diário a serem publicados e o prefácio do livro, além de ser responsável pela estratégia de divulgação da obra na imprensa.[12]

A primeira matéria jornalística de Audálio Dantas sobre o livro foi a reportagem de página inteira do jornal Folha da Noite, de 9 de maio de 1958, intitulada O drama da favela escrito por uma favelada: Carolina Maria de Jesus faz um retrato sem retoque do mundo sórdido em que vive, na qual se destaca a singularidade de Carolina enquanto escritora moradora da favela. Posteriormente, o jornalista publicou matéria na revista O Cruzeiro, da qual era editor-chefe, com o título Retrato da favela no diário de Carolina: a fome fabrica uma escritora. Os dois textos são anteriores à publicação do livro e contribuíram para tornar sua autora uma figura conhecida do público.[12]

Os registros começam com a seguinte nota:

"15 de julho de 1955. Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela."

E terminam com:

“1.º de janeiro de 1960. Levantei às 5 horas e fui carregar água.”

Na 10ª edição publicada pela Editora Ática, tem-se como responsável pela elaboração do prefácio Audálio Dantas, o jornalista responsável pela descoberta dos textos de Carolina e editor dos primeiros excertos, os publicando em revistas como a Folha da Noite[13] e na O Cruzeiro. Grandes autores brasileiros escreveram sobre a obra, tais como Rachel de Queiroz, Manuel Bandeira, Sérgio Milliet, Helena Silveira, entre outros. Porém, de acordo com Dantas, alguns questionaram a veracidade dos textos argumentando que "só podia ser obra de um espertalhão, um golpe publicitário". Dantas então cita o poeta Manuel Bandeira, que "em lúcido artigo, colocou as coisas no devido lugar":

"[...] ninguém poderia inventar aquela linguagem, aquele dizer as coisas com extraordinária força criativa mas típico de quem ficou a meio do caminho da instrução primária."

Por fim, Dantas conclui com:

"Assim, o Quarto de Despejo não é um livro de ontem, é de hoje. Os quartos de despejo, multiplicados, estão transbordando."[14]

A obra foi inicialmente considerada como "literatura documentária de contestação" pelo jornalismo de denúncia, que oferece meios de reportar a situação social vivida pelas camadas tradicionalmente sem meios de expressão.[3]

Na atualidade, a obra se insere no contexto das narrativas femininas que tiveram início na década de 1970, dentro da "literatura das vozes subalternas".[3]

Na década de 1990, acadêmicos interessados nas vozes excluídas periféricas das décadas de 1950 e 1960 resgataram a obra de Carolina Maria de Jesus no contexto universitário.[15] Quarto de Despejo foi objeto de várias teses e dissertações defendidas nas principais universidades brasileiras, como se pode constatar em buscas na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade de São Paulo.

Impacto cultural

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Segundo o pesquisador Carlos Alberto Cerchi a obra inspirou variadas manifestações artísticas, dentre as quais:[3]

Referências

  1. a b c d Alex Willian Leite. «Resenha Crítica "Quarto de despejo, diário de uma favelada"». Ramela. Consultado em 23 de agosto de 2011. Arquivado do original em 30 de setembro de 2009 
  2. JESUS, Carolina Maria de (2014). Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: [s.n.] ISBN 9788508171279. OCLC 960882632. 22 DE MAIO: Eu hoje estou triste. Estou nervosa. Não sei se choro ou saio correndo sem parar até cair inconciente [sic]. É que hoje amanheceu chovendo. E eu não saí para arranjar dinheiro. Passei o dia escrevendo. 
  3. a b c d e f Maria Madalena Magnabosco; Graciela Ravetti. «Carolina Maria de Jesus». A Mulher na Literatura. Consultado em 23 de agosto de 2011. Arquivado do original em 29 de julho de 2012 
  4. a b c BARBOSA, Sirlene; PINHEIRO, João (2018). Carolina. São Paulo: Veneta. 128 páginas. ISBN 978-85-9571-039-9 
  5. DANTAS, Audálio (9 de maio de 1958). «O drama da favela escrito por uma favelada». Folha da Noite (45.159): 9. Consultado em 14 de março de 2022 
  6. PERPÉTUA, Elzira (2003). «Aquém do Quarto de despejo: a palavra de Carolina Maria de Jesus nos manuscritos de seu diário» (PDF). Universidade de Brasília: Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea (22): 79. ISSN 1518-0158. Consultado em 14 de março de 2022 
  7. LEAHY-DIOS, Cyana M. (2013). «Vida e poesia no quarto de despejo: diário de uma favelada» (PDF). Centro Universitário Augusto Motta. Revista Semioses. 7 (2): 28. ISSN 1981-996X. Consultado em 14 de março de 2022 
  8. Jesus, Carolina Maria de (2014). Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática. ISBN 9788508196555 
  9. a b Barone, Ana Cláudia Castilho (2015). «Carolina Maria de Jesus, uma trajetória urbana». Encontro da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - ENANPUR (16. 2015 Belo Horizonte). Consultado em 13 de abril de 2023 
  10. Letícia Pereira de Andrade. «QUARTO DE DESPEJO: A LITERATURA MEMORIALÍSTICA FEMININA». Unioeste. Consultado em 28 de outubro de 2019 
  11. «A centralidade da linguagem e do trabalho em Quarto de Despejo.». 12 de Setembro de 2018 
  12. a b MIRANDA, Fernanda Rodrigues de (2013). Os caminhos literários de Carolina Maria de Jesus : experiência marginal e construção estética (tese) (PDF). São Paulo: [s.n.] p. 45 
  13. «Escritora Carolina Maria de Jesus viveu do caos ao caos - 20/11/2014 - Ilustrada». Folha de S.Paulo. Consultado em 26 de novembro de 2019 
  14. JESUS, Carolina Maria (2014). O Quarto de Despejo: diário de uma favelada 10ª Ed. ed. São Paulo: Ática. pp. 6–8. ISBN 8508171277 
  15. Gomes da Silva, Tânia Maria; Silva Barbosa, Flávia Cristina. «Exclusão e violência social na perspectiva da escritora Carolina Maria de Jesus: Mulher negra, favelada e mãe solteira». Revista CESUMAR. Consultado em 5 de maio de 2021 
  16. «Produção musical de Carolina Maria de Jesus». Vida por escrito - Portal biobibliográfico de Carolina Maria de Jesus. Consultado em 14 de março de 2022 
  17. «Quarto De Despejo - Carolina Maria de Jesus Cantando Suas Composições». Discogs. Consultado em 14 de março de 2022 
  18. LIMA, Edy (2020). Quarto de Despejo: Teatro. São Paulo: Ática. 104 páginas. ISBN 978-85-08-19603-6 
  19. «Documentário com Carolina Maria de Jesus». Biblioteca Central Irmão José Otão – PUCRS. 21 de julho de 2014. 1 páginas. Consultado em 3 de março de 2019 
  20. «Livro de Carolina Maria de Jesus é resgatado em vestibulares da UFRGS e Unicamp 40 anos após morte de escritora». G1. Consultado em 28 de abril de 2019 
  21. JESUS, Carolina Maria de (2020). Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática. 264 páginas. ISBN 978-85-08-19655-5